O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, disse, nesta quarta-feira (24) que o Ministério da Saúde tem que rever “imediatamente” a norma que altera critérios de mortes por Covid-19. O conselho não foi avisado, informou. “A decisão é equivocada, gera descrédito e tem de ser revista imediatamente”, disse .
Questionado se o conselho havia sido avisado, Carlos Lula disse: “Não fomos e não se pode fazer alteração assim, sem prévio aviso”. Ele disse que o Conass irá pedir a revisão da norma ao Ministério da Saúde.
Nesta terça-feira (23), dia em que o Brasil bateu novamente o recorde de mortes por Covid-19 confirmadas em 24 horas, o Ministério da Saúde alterou a ficha dos pacientes no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). A informação é de técnicos responsáveis por preencher diariamente as atualizações sobre novos óbitos causados pela doença.
Carlos Lula afirmou que o motivo da mudança é a necessidade de acompanhar eventuais mortes após a vacinação. “É importante, mas não pode acontecer de surpresa”, diz. Outro órgão de secretários, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), informou que defende a retirada dos novos campos obrigatórios do Sivep-Gripe incluídos pelo Ministério da Saúde.
A secretaria-executiva do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) afirmou que os novos campos já estavam sendo discutidos anteriormente, mas ocorreu “falta de comunicação adequada” no momento em que a mudança foi oficialmente instituída. “Por este motivo, solicitamos a retirada desses campos como obrigatórios por enquanto”, diz o conselho. O Ministério não se pronunciou.
Quais são as mudanças
A nova ficha distribuída às vigilâncias de saúde municipais e estaduais trouxe uma série de mudanças. Foi incluído, por exemplo, um campo para informar se o paciente pertence a uma comunidade tradicional. Outros campos, por outro lado, foram excluídos – caso do histórico de viagem internacional.
Outras alterações, no entanto, devem afetar mais diretamente o trabalho de preenchimento do sistema, como a obrigatoriedade de informar:
o número do Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS);
se o paciente é brasileiro ou estrangeiro;
e se já foi vacinado contra a Covid-19.
Todos esses campos inexistiam na versão anterior da ficha, em utilização desde julho de 2020.
Além disso, o campo do número do CPF, que antes era considerado “essencial”, passa a ser obrigatório. Caso o paciente não tenha o CPF em mãos, é obrigatório preencher o Cartão Nacional do SUS. A única exceção para essa obrigatoriedade refere-se aos pacientes declarados indígenas na ficha.
Impacto na contagem de mortes
O Sivep-Gripe é o sistema oficial onde todas as novas hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) devem ser compulsoriamente notificadas desde 2009. Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, ele passou a ser usado também como a fonte oficial das mortes confirmadas por Covid-19.
A ficha do sistema é válida para todos os hospitais e vigilâncias municipais do país. Conforme o paciente evolui e novas informações são obtidas, como o resultado de exames, a necessidade de internação em UTI ou de ventilação mecânica, além da data da alta ou do óbito, a ficha dele vai sendo atualizada.
Segundo técnicos que são usuários do Sivep consultados pela equipe de reportagem, em mudanças anteriores da ficha, não houve necessidade de preenchimento retroativo de novos campos para pacientes que já constavam no sistema.
Os dois principais impactos da nova ficha, segundo eles, foram a falta de aviso prévio por parte do Ministério da Saúde e as secretarias, como ocorreu em julho passado, e a exigência de preenchimento obrigatório de novos campos, que pode aumentar o atraso entre a ocorrência das mortes e o registro delas no sistema, para que constem no balanço oficial diário.
Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe, plataforma da Fiocruz que desde antes da pandemia já usava o Sivep-Gripe para rastrear os casos de SRAG no Brasil, explica que a mudança vai afetar no atraso de notificação de casos e de óbitos.
Segundo ele, “é uma mudança que facilita a limpeza de duplicidades e identificação de casos suspeitos de reinfecção, mas o impacto na ponta é muito grande por conta da falta de acesso fácil ao CPF e CNS de todos os pacientes internados”.
Ele explica que “diversos pacientes buscam atendimento apenas com RG, tornando a ausência de acesso ao CPF importante. Nesses casos, torna-se necessário o agente de saúde pesquisar o CNS do paciente, caso já tenha sido cadastrado ou efetuar o cadastro do CNS caso contrário”.
Para Gomes, a mudança “tende a atrasar ainda mais o registro, aumenta a carga de trabalho, por ter que buscar o CNS do paciente que não apresentar CPF, e corre-se o risco de perda de registros por conta disso”.